quinta-feira, maio 18, 2006

Uma defesa ao software livre, uma oposição à Veja.


Opa! Tô de volta. :)

Ler a Veja é um exercício. Quando abro a revista, sei que estou prestes a estabelecer contato com um material cujo fundo ideológico é bastante diverso do meu. No entanto, acho que é um exercício necessário, já que é uma das revistas mais lidas no país. Na verdade, é claro que este não seria um argumento suficiente para me fazer ler uma revista como essa, pois não tenho nenhum interesse em engordar o índice de leitores de tal veículo. Mas minha atração quase compulsiva pela análise da mídia no campo da política e do papel da mídia na sociedade obriga-me à atentar para o que acontece num campo e no outro.

Pois bem. Na edição 1956, de 17 de maio de 2006, há uma matéria sobre as ações do governo Lula em direção à migração para a utilização de software livre na administração federal:

O grátis saiu mais caro

Ao insistir no software livre, o governo
deixa de melhorar os serviços eletrônicos
aos cidadãos e desperdiça dinheiro


Um critério para avaliar a eficiência da administração pública é o uso da informática para reduzir a burocracia estatal e facilitar a vida do cidadão. Quatro anos atrás, o Brasil pertencia à elite mundial nesse quesito, à frente do Japão. Brasileiros eram convidados para descrever em congressos internacionais a experiência nacional com as compras públicas pela internet, com a declaração on-line do imposto de renda e com o voto eletrônico. O governo Lula mudou radicalmente as prioridades nessa área. Em lugar de ampliar as experiências bem-sucedidas, passou a priorizar a implantação do software livre na administração federal. O resultado: o Brasil caiu dezenove posições no ranking das Nações Unidas que avalia o uso da informática pelos governos, ficando atrás do Chile e do México.

A oposição aos programas comerciais – leia-se aí a Microsoft, fabricante do sistema operacional Windows e a maior empresa mundial de software – é uma bandeira do PT. A posição está baseada, em parte, na desconfiança ideológica que o partido nutre em relação às grandes corporações capitalistas. "Não podemos depender dos programas vendidos por uma ou outra empresa privada", explica Rogério Santanna, secretário do Comitê Executivo de Governo Eletrônico, subordinado ao Ministério do Planejamento. O software livre é um programa ou sistema operacional que pode ser modificado por qualquer um e, em princípio, pode ser obtido gratuitamente na internet. Em teoria, é uma boa idéia usar e não pagar. Na prática, talvez seja um problemão, sobretudo se o uso se transformar em obrigação. "Ao optar por um programa, é preciso pesar cuidadosamente os prós e os contras", diz Fernando Parra, presidente da DTS, empresa de São Paulo que desenvolve softwares e presta serviços de tecnologia. "Não se podem tomar, com base em motivos ideológicos, decisões que deveriam ser técnicas."

A migração para o software livre custou caro para os cofres públicos. O governo federal precisou contratar 2.000 técnicos em informática. Só os salários e os encargos trabalhistas desses programadores ultrapassam 56 milhões de reais por ano – o dobro do que o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação, vinculado à Casa Civil, estima que o governo federal economizou com os programas que deixou de comprar em 2004. Nem sempre o software livre é pior que o comercial, mas sua adoção pelo governo brasileiro revelou-se ineficiente. Os técnicos do Serpro, empresa de processamento de dados subordinada ao Ministério da Fazenda, tentaram em vão substituir por software livre os programas que funcionavam com perfeição mas estavam sendo rejeitados apenas porque operavam em Windows, o sistema da Microsoft. Foram feitas versões em código aberto do programa de imposto de renda on-line e do portal de compras públicas ComprasNet. O resultado foi tão ruim que os dois programas continuam funcionando no sistema Windows. "A cruzada ideológica pelo software livre é apenas a ponta do iceberg", diz Florencia Ferrer, diretora-presidente da FF Pesquisa & Consultoria, de São Paulo, especializada em governo eletrônico. "O governo também foi incapaz de inovar na administração pública usando a tecnologia."

O governo do Paraná envia mensagens para o celular de desempregados informando sobre vagas disponíveis. Em São Paulo, já é possível preencher o boletim de ocorrência policial pela internet e pedir segunda via do documento de identidade. O governo federal nem sequer conseguiu fazer o mesmo com a emissão de passaportes. Um dos principais atrasos refere-se à licitação on-line. O governo federal faz apenas 46% de suas compras públicas – de material de escritório a papel higiênico – pela internet, contra 80% do governo de São Paulo. Em uma licitação on-line, a União informa que bens deseja comprar, e fornecedores de todo o país e do exterior se engalfinham para ganhar a concorrência com o menor preço. O comprador sempre sai ganhando, porque o número de ofertas é muito maior, e a transparência no processo diminui os riscos de corrupção. Se o governo federal tivesse o mesmo padrão de compras on-line que o estado de São Paulo, teria economizado 3 bilhões de reais nos últimos três anos, segundo estudo da FF Pesquisa & Consultoria.

Algumas promessas de governo eletrônico foram cumpridas apenas parcialmente, como a de fazer com que as bases de dados dos diversos órgãos públicos conversem entre si. O governo tenta sem sucesso fazer o cruzamento de dados entre as secretarias de Segurança, da Receita Federal e dos tribunais eleitorais. Em lugar de investir para oferecer serviços aos cidadãos e melhorar a eficiência da máquina burocrática, o governo Lula usou as conquistas eletrônicas da administração anterior em sua desastrada campanha para se tornar líder sul-americano. A conseqüência dessa política foi um banho de água fria nas aspirações comerciais de muitas empresas sediadas no Brasil que desenvolvem software e urnas eletrônicas. A Unisys e a Diebold Procomp, fabricantes de urnas eletrônicas de São Paulo, tinham planos de exportar a tecnologia para os países vizinhos. Em vez de emprestar algumas poucas urnas para fazer propaganda, o governo Lula decidiu bancar as eleições alheias. Só para o Paraguai foram emprestadas 15.000 urnas para as eleições de 2005 e 2006. A empresa Vesta, de São Paulo, deixou de vender softwares de compras públicas on-line para a Bolívia porque Lula, em seu primeiro ano no poder, resolveu oferecer ao país, de graça, um programa com a mesma função. "O governo federal não só reinventou a roda com o software livre à custa do contribuinte, como prejudicou a competição no mercado de tecnologia", diz Paula Santos, sócia da Vesta. É a política do software livre contra o livre mercado.
Primeiro, não creio que a razão principal para a iniciativa de utilizar softwares livres seja uma desconfiança ideológica em relaçãos às grandes corporações capitalistas. Usar software livre não só pode como deve ser uma opção ideológica além de econômica, sim. Mas não se trata de uma "desconfiança às corporações capitalistas", trata-se da estipulação de algumas liberdades fundamentais: 1) a liberdade de executar o programa, para qualquer propósito; 2) a liberdade de estudar como o programa funciona, e adaptá-lo para as suas necessidades, liberdade para a qual o acesso ao código-fonte é um pré-requisito; 3) a liberdade de redistribuir cópias de forma que se possa ajudar o próximo; e 4) a liberdade de aperfeiçoar o programa, e liberar os seus aperfeiçoamentos, de modo que toda a comunidade se beneficie. E pros que acham que ideologia é uma bobagem, gostaria de dizer que é realmente difícil ver algumas coisas com clareza quando se tem um ante-olhos na cabeça. Para estes, não recomendo o prosseguimento na leitura deste post. Pode dar curto-circuito.

"Na prática, talvez seja um problemão, sobretudo se o uso se transformar em obrigação". Em que se tornou a utilização dos softwares da Micro$oft? O que acontece, normalmente, quando se coloca alguém na frente de qualquer outro sistema operacional que não seja o Windows? Em quantos estabelecimentos é usado outro sistema que não o Office? Quando se quer um programa específico, de produção gráfica, de desenho industrial, de banco de dados, para que sistema operacional eles são produzidos? Encontra-se, freqüentemente, até alguns produtos de hardware desenvolvidos especificamente para a utilização combinada com os programas da empresa do Sr. Bill. Nesse contexto, usar software livre é um grande desafio. Representa a escolha de não se submeter à obrigação de se curvar ao monopólio comercial existente. De resto, é bastante óbvio que um cara que trabalha para uma empresa de desenvolvimento de software não apóie uma ação como essa do governo federal. Ninguém quer perder uma mama tão boa.

A migração é um investimento que tem objetivos de longo prazo. É evidente que ela implica em gastos até ser implementada completamente. Técnicos especialistas em sistemas baseados em linux têm serviços significativamente mais caros que os especialistas em Windows e isso se deve a uma quantidade enorme de razões, entre as quais, a relação entre oferta e demanda. Na maioria das vezes, o software livre é melhor que o comercial, pois permite adaptação com maior estabilidade.

O cruzamento de dados entre a Secretaria de Segurança, a Receita Federal e os tribunais eleitorais nunca existiu. Se a promessa de estabelecer diálogo entre as bases de dados dos diversos órgãos públicos foi cumprida, por enquanto, parcialmente, isso é um grande avanço. A migração para o software livre não tem obrigatoriamente relação com isso.

Quanto a emprestar urnas eletrônicas ao Paraguai, é impressionante essa idéia que se tenta colocar na cabeça de todo mundo que o nosso desenvolvimento deve ser feito necessariamente em competição com o dos outros. Tudo bem que a idéia do individualismo funda a sociedade contemporânea, mas já está na hora de enxergar esse problema da humanidade do século XXI e partir pra outra. Afinal de contas, apoiar o desenvolvimento do cara que está ao meu lado é tentar crescer com ele e não às custas dele. O que me parece uma idéia muito melhor.

Por fim, não vejo nenhum problema em estabelecer um conflito entre a política do software livre contra o livre mercado. É uma aranha contra um tubarão, certamente. O que impressiona é como uma pequena teia em crescimento incomoda em tal medida esse grande devorador.

* quem se interessou, acompanhe a discussão aqui e ali.