quinta-feira, março 17, 2005

Nobres deputados

É bastante difícil não ficar indignado ao saber das últimas notícias da semana: a mesa diretora da Câmara aprovou um aumento de 25% nas verbas de gabinete dos deputados federais.

Ok... existem várias razões para o aumento: inflação, juros, impostos,... no fundo, esse é um investimento na eficiência da Câmara Baixa. Mas, então, façamos um breve levantamento do que representa para os cofres públicos a manutenção de parte de nossa torta corte.

Bom... a remuneração de um deputado federal é de R$ 12.847,20. São 15 salários anuais, com possibilidade de vencimentos adicionais no caso de convocações extraordinárias. Soma-se a esse gasto, a cota mensal de correios e telefone, de R$ 4.268,00. Todos os deputados têm direito de utilizar os apartamentos funcionais, localizados em Brasília, que têm entre 212 e 225 m2. Há um gasto anual com conservação de R$ 2.000,00 por apartamento - investimento feito inclusive nos apartamentos vazios. Mesmo assim, neste ano foram aprovadas as reformas de 144 apartamentos funcionais a um custo estimado de R$ 24 milhões. Os deputados que preferem não utilizar tais apartamentos têm um auxílio-moradia de R$ 3.000,00. Nossos nobres legisladores têm direito, ainda, a 4 passagens aéreas (ida e volta) de Brasília ao seu estado de origem - os deputados eleitos pelo Distrito Federal gozam de uma passagem mensal Brasília-Rio de Janeiro -, o que caracteriza um custo médio de R$ 9.947,00 (Folha de S. Paulo, 17/03/2005). Além disso, os parlamentares têm R$ 15.000,00 de verbas indenizatórias à disposição, para a manutenção de escritórios regionais, e, agora, R$ 44.187,50 como verbas de gabinete, destinadas para contratação de pessoal de confiança e outros gastos.

Fugindo um pouco dos números, existem outras vantagens: os deputados têm direito a 90 dias de férias e 30 dias de folga remunerada, além de terem aposentadoria garantida depois de cumprirem dois mandatos parlamentares. Parece-lhe pouco?

Não,... não fique abismado ainda. As regras não são tão rígidas assim. Quanto às verbas indenizatórias, por exemplo, a apresentação de simples notas fiscais já garantem o ressarcimento e os limites dos gastos podem variar um pouquinho. Se você tiver tempo para fiscalizar os gastos do último deputado federal em quem votou, vai descobrir que R$ 15.000,00 de verbas indenizatórias é uma média, não um limite.

Para provar isso, desculpem-me os prejudicados, mas vou ter que escolher alguns cristos. O deputado Adelor Vieira (PMDB-SC), alcançou R$ 17.521,70 em gastos com verbas indenizatórias em setembro de 2004. Vou discriminar todos os seus gastos: R$ 236,00 com aluguel de imóveis para escritório e despesas concernentes a eles; R$ 377,30 com aquisição de material de expediente; R$ 8.958,75 com aquisição ou locação de software, serviços postais, assinatura de publicações, TV a cabo ou similar, acesso à internet e locação de móveis e equipamentos; R$ 201,17 com combustíveis e lubrificantes; R$ 3.293,93 com combustíveis e lubrificantes de veículos automotores; e R$ 4.454,55 para locomoção, hospedagem e alimentação. Parece razoável, não é? Tudo bem... não posso deixar de dizer que seria interessante rever a classificação de tais gastos. Onde foram aplicados os recursos para combustíveis e lubrificantes sem a especificação "de veículos automotores"? Outra coisa: esse gasto não tem a ver com as despesas de locomoção?

Levemos em consideração outros parlamentares. O deputado Inocêncio Oliveira (PMDB-PE) gastou R$ 18.350,00 com locomoção, hospedagem e alimentação em janeiro de 2005. Hum.. Fiquei com uma dúvida agora: eles não estavam de férias? Paulo Bauer (PFL-SC) teve R$ 17.632,19 de despesas com verbas indenizatórias em fevereiro deste ano. O deputado Giacobo (PL-PR) não se preocupou com contenção de gastos: gastou R$ 33.901,69 com combustíveis e lubrificantes de veículos automotores em janeiro de 2005. No total, foram R$ 34.600,16 de verbas indenizatórias neste mês de férias. O Pastor Frankembergen (PTB-RR) ultrapassou só R$ 1.839,88 do limite de R$ 15.000,00 no último mês de fevereiro. Carlito Merss (PT-SC) totalizou R$ 21.838,90 em julho do ano passado. Antonio Carlos Pannunzio (PSDB-SP) ganhou R$ 20.208,62 de verbas indenizatórias em fevereiro de 2005. No mesmo mês, Sérgio Caiado (PP-GO) gastou R$ 19.250,90, mas tem uma justificativa nobre: contabilizou R$ 9.800,00 com combustíveis e lubrificantes para aeronaves. E chega. Tem uma hora que a gente nem quer mais saber.

O fato é que não precisamos nos preocupar. Mesmo sabendo que, numa conta rápida, 12.847,20 + 4.268,00 + 3.000,00 + 9.947,00 + 15.000,00 + 44.178,50 = 89.249,70, que, multiplicados pelos 513 deputados existentes na Câmara, resultam em míseros 45.785.096,10 mensais, temos que levar em consideração que o Brasil é um país rico e que está crescendo a cada dia. Para manter nossa imagem lá fora, precisamos de uma corte bem apresentada, gordinha, com cara de saudável.

Além do mais, para que o aumento salarial e a elevação da verba para os gabinetes não causem grandes estragos nas finanças do país, o presidente da Câmara Federal, Severino Cavalcanti (PP-PE), anunciou a criação de uma secretaria ou comissão para contenção de despesas desnecessárias na Casa. Segundo ele, e, com certeza, todos os outros deputados concordam, o dinheiro público tem que ser tratado com honestidade. O segundo vice-presidente da Casa, deputado Ciro Nogueira (PP-PI), afirmou que será feito um levantamento para descobrir o que é preciso reduzir para cobrir os reajustes salariais e as obesas verbas de gabinete.

Não tente comparar tais números com o salário mínimo, com a sua remuneração mensal, com o tanto que custaria uma melhoria na escola do seu bairro ou no hospital perto da sua casa, com o custo do seu aluguel ou do combustível do seu carro, com o investimento que seria necessário para contratar mais funcionários nas agora pouquíssimas companhias estatais de serviço público, o que diminuiria o tempo de espera nas longas filas que se formam pelas grandes cidades, ou com o custo daquelas bolsas que cortaram das capengas universidades federais. Isso realmente não vem ao caso. Afinal, o que está em jogo é o bom funcionamento do Poder Legislativo, a eficiência de nossa Casa de Leis. Todos nós sabemos a importância da ação daqueles caras em Brasília. Certo?! Espera aí... ninguém disse que a Câmara Federal era uma panacéia.

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Uauuu!!! Que grande e oportuno uivo. Com a palavra nossos nobres deputados. Quais as justificativas para tanto gasto??? Bem, como guardo ainda uma certa dose de otimismo, espero que, pelo menos, nosso amigo Carlito nos convença que os gastos dele são justos e prioritariamente em defesa das causas sociais ( a grande bandeira do PT). Valeu Helena, vamos continuar uivando. Conte com a força do Maximão.

3/17/2005 10:54 PM  
Blogger Mythus said...

Olá Helena!

Se eu não suspeitasse que você tem essas informações na ponta da língua, eu diria que você deve ter tido um trabalho herculanesco pra juntar todos esses dados :)

Vale ressaltar que por de trás de cada um daqueles 513, existem suplentes e outros tantos auxiliares de gabinetes cujas despesas podem estar sendo computadas nesses números, contudo, esse exército invisível não pode ser responsabilizado pelos exageros descarados dos políticos.

Mas chega a ser um contra-senso, se estão aumentando suas folhas por causa da inflação que lhes acomente (e a todo o povo brasileiro), porque não aumentam também o salário mínimo de quem está padecendo das "mesmas" realidades econômicas? A resposta deles é quase imediata: porque aumentando o salário, o país quebra. (e o deles não, suponho)

3/19/2005 12:55 AM  

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