Coreografia conhecida. Todo mundo sabe o que acontece quando se joga besteira no ventilador.
É perfeitamente compreensível a razão da mais conceituada escola de balé do mundo, fundada em 1776, ter permitido sua primeira filial no Brasil. Foi uma concorrência internacional difícil. Washington e Tóquio queriam sediar a primeira Escola do Balé Bolshoi fora da Rússia. Dizem que São Paulo e Rio de Janeiro também concorreram, mas toda a experiência educacional dos bailarinos russos viajou de Moscou para Joinville, a dita maior cidade de Santa Catarina, sem maiores percalços. Ninguém explica direito o que aconteceu. É claro que seria impossível resistir à existência de uma grande orquestra sinfônica na cidade e a um projeto ousado de um grande teatro com a melhor acústica do mundo e a mais incrível arquitetura já vista. Pena que Joinville está longe de ter qualquer coisa que se aproxime a um décimo do que hoje é a Orquestra Sinfônica de São Paulo. Além disso, o “teatro” mais conhecido e mais freqüentado da cidade é uma grande construção com grandes rachaduras que serve para o jogo de vôlei da seleção brasileira, para a única ópera apresentada na cidade com orquestra e cantores de Curitiba, para o inacreditável show do Milton Nascimento e para a formatura da disputada turma de direito da universidade particular da região. É chamado de “centro multiuso”. Pluri-defeituoso. Com tamanha flexibilidade, a construção acabou por abrigar também a tão respeitada escola de dança, que veio trazer toda a experiência russa para o solo joinvilense.
Tendo em vista as recentes denúncias feitas pelo Ministério Público Federal de que toda a coreografia de criação da Escola do Balé Bolshoi no Brasil é apresentada para distrair a platéia enquanto alguém desvia dinheiro público para contas gordas em paraísos fiscais, forma-se o circo. A Folha de S. Paulo do dia 7 de março detalhou a história que ainda tem muito podre por ser extirpado. Resumidamente: a empresa de João Prestes, que “representa” O Teatro Estatal Acadêmico Bolshoi da Rússia, firmou contrato com a Fundação Cultural de Joinville e, portanto, com o município de Joinville, em 1999, sem anexar os atos constitutivos nem os comprovantes dos poderes delegados a Prestes para representar o Balé Russo no Brasil. Um instituto é criado para gerenciar a nova escola de balé na cidade, tendo como sócio fundador o então prefeito de Joinville, hoje governador de Santa Catarina, Luiz Henrique da Silveira (PMDB). Prestes e Luiz Henrique não precisaram de nenhuma assinatura dos representantes legais do balé russo, afinal, são homens de palavra, fazem negócio pelo fio do bigode. Como um dos primeiros resultados da negociação, a mulher de Prestes, Joseney Braska Negrão, assumiu a supervisão geral da instituição e aí se completa “o trio responsável pela vitória de Joinville diante de cidades de outros países para sediar a escola” (Carta Capital, 26 de março de 2003). Prestes, membro do conselho consultivo do instituto, criou empresas que recebem comissões pela captação de recursos financeiros à Escola do Bolshoi. A Paramount, empresa através da qual Prestes assinou o contrato com o município, recebe US$ 120 mil anuais pelo uso da marca Bolshoi, US$ 2 mil mensais por professor russo no Brasil e US$ 2 mil mensais por representação. São R$ 712 mil pagos pelo instituto para Prestes a título de “agenciamento” do patrocínio dado pelos Correios (de R$ 10,5 milhões) e por aí vai.
O MPF pediu o afastamento do casal Joseney Braska e João Prestes, mas o governador não quer ceder. Boatos correm de que o governador teve fortes atritos com seu apadrinhado político, Marco Tebaldi – ex-vice de Luiz Henrique e agora prefeito de Joinville – por discordarem a respeito do futuro do casal Prestes. Estranho casamento onde a união não se sustenta na tristeza. Pelo que consta, o governador ainda conseguiu movimentar contatos para desestruturar o MPF, articulando acusações ao promotor Davy Lincoln, protagonista das denúncias sobre o Bolshoi, de abuso de autoridade em outros incidentes, ocorridos em 2003. O casal Prestes continua, intacto, na direção da escola, o que nos faz pensar em como pode ser caro o preço do silêncio, afinal, seria muito mais fácil afastá-los e esperar a poeira baixar. A mídia tenta, louca, encontrar o caminho mais lucrativo, mas a lama inevitavelmente escorre por alguns veículos competentes.
A oligarquia catarinense está em polvorosa. Nesse espetáculo, os palhaços podem ser os mais abomináveis. Na Assembléia Legislativa de Santa Catarina instaurou-se uma comissão parlamentar de inquérito para investigar as denúncias no último dia 15. A “CPI da Sapatilha” foi adiada ao máximo pelos partidos governistas, que, com a ajuda da “oposição”, conseguiram transformar o caso em pizza antes mesmo de iniciarem as investigações. A bancada petista, autora do pedido de instalação da CPI, cedeu às negociações escusas da direita e declinou a relatoria da comissão, posto mais importante em qualquer CPI. O que aconteceu? Se não é por vontade e coragem de investigar e realmente descobrir o que acontece com tanto dinheiro público, que seja para promover o partido como oposição e fazer barulho, como sempre se fez. Mas acho que desaprenderam a colocar a boca no trombone. Têm medo de se queimar. Se não for para reavaliar a existência de uma Escola que nitidamente foi estruturada para atender ao bem de alguns indivíduos inescrupulosos e redirecionar a verba pública para projetos sociais mais urgentes e mais confiáveis que trarão mais decência à cidade e ao país, que seja para angariar mais eleitores, ganhando espaço na mídia, e fazendo o que uma boa oposição deve fazer: criticar um governo podre.
Vejam bem: esse não é um texto filho de meretriz que tem como único objetivo desmoralizar este ou aquele. É um grito por sensatez, justiça, ética, como todos os outros nesse modesto blog. Ainda há tempo de refletir sobre algumas coisas. Por favor, façam-no!
2 Comments:
Os ignorantes é que são felizes :(
como cidadã, nascida em Joinville, após decisão do Juiz Federal, muito esquisita por sinal( bem no dia do niver do Bolshoi)cabe aos pais e ... encontrar outra forma de financiamento . Verba pública para Paraíso Fiscal, JAMAIS!
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