segunda-feira, agosto 15, 2005

Indignação torpe

Sayad deve ter razão. Nossa indignação é mentirosa.

Mentirosa porque já sabíamos que o financiamento de campanhas tão luxuosas não poderia ter somente fontes lícitas. Não tínhamos provas, como quase todos os acusadores interesseiros não têm, mas tínhamos fortes desconfianças.

"Jornalistas escrevem indignados, alguns deputados falam em impeachment e o país mergulha mais fundo na crise política". A indignação da imprensa é ainda mais falsa. O jornalismo político, na sua convivência íntima com o poder, sempre soube como as coisas funcionam e se alimentou de declarações em off tímidas - declarações, estas, que dão origem a matérias forçosamente toleradas por um código de ética também hipócrita - até que alguém resolveu falar e assinar embaixo.

Uma coisa é convivermos com uma mentira velada - telefonemas suspeitos, ausências recorrentes, perfume diferente e um comportamento inexplicável. É uma opção pessoal virar o rosto para uma verdade. Dentro de quatro paredes, a mentira se torna regra e o direito de cobrar algum sentimento verdadeiro ou atitude digna deixa de existir. Outra, é ver que nossa "vida de mentira" foi desvendada, esmiuçada nos quatro cantos e que, se nos omitimos frente ao nosso próprio julgamento, não nos parece tão fácil fazer a mesma coisa frente ao julgamento alheio.

"Escândalo é a revelação oficial transmitida pela televisão para um Brasil estupefato de um segredo que não podia ser revelado. O mistério é saber por que foi revelado."

Mentirosas são todas as revelações e acusações também, pois são oportunistas. "Denunciar", nesse caso, tornou-se algo que deve ser perfeitamente compreendido por mágicos profissionais. O truque sempre acontece no lugar para o qual não estamos olhando. A habilidade está em manter sempre o mesmo "foco".

Não recebemos nenhuma confissão de traição. Seria mais digno, certamente. Mais respeitoso também. O grande problema da mentira, como alguém já disse por aí, é que, ao se dizer uma única, serão necessárias muitas outras para se poder sustentar a primeira. Mas não somos tão inocentes. Já supúnhamos a mentira. Difícil mesmo é tomar o lugar do culpado por termos nos omitido durante tanto tempo. Difícil é saber o que fazer diante disso.

"A indignação da elite é mentirosa. O escândalo, artificial."

A única verdade é a certeza de estarmos todos juntos nesse velório.

* As citações de João Sayad são do artigo "Mentiras", na página A2 da Folha de hoje (15/08/05).

7 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Muito bom. O que mais tem me incomodado é exatamente essa pintura escandalosa, esse mergulho em representações muito além das verdades e abarrotadas de segundas intensões.

A última frase do artigo é boa também: "Viveremos muitas semanas ansiosos por saber como a revelação da verdade produzirá outros arranjos políticos, outra democracia e outras mentiras."

:) Beijos!

8/15/2005 5:08 PM  
Blogger Rafael Galvão said...

Assino embaixo.

8/16/2005 9:55 PM  
Blogger Mythus said...

Nada mais a acrescentar!

Definitivamente, um dos posts/textos/comentários mais sinceros desde o começo da CPI.

8/17/2005 2:37 PM  
Blogger Mythus said...

Que pena que o texto pertence a uma área restrita do UOL.

8/17/2005 2:38 PM  
Anonymous Anônimo said...

Ghaak.. Jesus! "IntenÇões"!!
hehehe

Beijos! ;)

8/18/2005 4:50 PM  
Anonymous Anônimo said...

Todos sabiam que todos faziam. A prestação de contas na justiça eleitoral sempre foi uma piada. Declaram gastyar 5 milhões em toda campanha, quando somente os programas de tv custam 20 milhões.
Se tiram o Lula e investigam a campanha de quem ficar no seu lugar, o cargo de presidente vai vagar.
Reforma política já!!!

8/21/2005 8:16 PM  
Anonymous Anônimo said...

É duro ter que admitir que isso não é novidade.

8/22/2005 6:33 PM  

Postar um comentário

<< Home