domingo, abril 03, 2005

"O PT que queremos"

Como alguns já sabem, os que uivam por aqui são – ou, pelo menos, começaram – petistas. As razões são muitas e mereceriam um bom texto, mas também podem ser percebidas nas linhas e entrelinhas de todos os nossos protestos. O fato é que, de algum tempo pra cá, temos refletido bastante sobre essa, antes tão clara, identificação política. Poderia-se perceber que esse espaço que construímos também é resultado desse processo e, por isso, gostaria de relatar uma experiência.

No meio dessa semana, esbarrei com um convite para um seminário organizado pelo grupo que comanda o PT de minha cidade. A proposta de tema? “O PT que queremos”. Pareceu-me justo comparecer. Pensei: “se estou olhando tanto para a porta de saída, será que não é importante verificar mais uma vez o que se encontra dentro da casa?!” Foi o que fiz. Saí cedo na manhã de ontem para ouvir os companheiros.

Abriram-se os trabalhos com o anúncio de que seriam feitas duas provocações antes de debatermos o tema.

O primeiro provocador, entre os dois escolhidos pela presidente do diretório municipal, preparou-se para falar um pouco sobre a “origem do partido”. Citou inúmeras siglas, de organizações políticas e de movimentos sociais, que tiveram algum lugar na história do Brasil durante todo o século XX. Grupos religiosos, socialistas, jovens, anarquistas, comunistas, conservadores... personagens um pouco desconexos dos fatos históricos e políticos que provavelmente inspiraram o surgimento de cada um deles. A ditadura militar também teve seu lugar na exposição, de relance. A palestra prolongada se encaminhou para sua conclusão quando se mencionou os nomes de quem fundou o Partido dos Trabalhadores, com ênfase na sua não-identificação com os partidos socialistas europeus. “O PT surge muito menos com base nas teorias de Marx e Lênin do que como resultado dos movimentos sociais, de uma prática bastante diferente”. O PT não seria socialista, não teria quadros socialistas e – achou-se importante dizer – nunca teria mencionado a palavra socialista em seu primeiro estatuto. “Será que queremos um partido que siga Trotsky, Lênin e as cartilhas socialistas?”

O outro não se esqueceu de fazer uma ressalva ao iniciar seu discurso: “depois disso, não me resta muita coisa a dizer”. Mesmo assim, não deixou de mostrar a razão de estar ali. Afirmou que, neste momento, algumas tarefas se colocam pro PT. O partido não é mais o de vinte anos atrás e enfatizou que “as pessoas têm muita dificuldade em romper com os laços do passado”. Afinal, defendíamos a luta armada, a ditadura do proletariado, o partido único e o estatismo desenfreado. Ele, como militante do partido na época, deve saber do que estava falando. Comentou que o PT tinha identificações irresponsáveis por defender coisas como o salário mínimo divulgado como ideal pelo DIEESE ou a não cobrança dos inativos da previdência. “Éramos muito maniqueístas e não tínhamos a responsabilidade necessária”. Confessou-se um não socialista e disse preferir ser chamado de humanista. Creio que sua conclusão estava contida nessa frase: “temos a responsabilidade de juntar toda essa diversidade que é o PT e fazer alguns acordos, alguns contratos...”.

Terminadas as esforçadas exposições, vi-me com os olhos incrédulos e tive o ímpeto de levantar e dizer: “Essas sãos as provocações?! Bom... se ninguém tem uma verdadeira provocação pra fazer aqui, eu certamente tenho!” Contive-me. Pensei que poderia até jogar uma cadeira pelo corredor e espalhar todos os livros na estante, mas isso só atrapalharia minha própria visão da casa, já que, mais tarde, alguém trataria de por as coisas no lugar, como sempre aconteceu. Depois disso, eu voltaria a olhar para a porta de saída, como faço agora.

As inscrições tomaram lugar e consegui perceber a grande função terapêutica que elas têm. É o momento de colocar tudo pra fora. Críticas sutis são sempre seguidas taticamente por discursos amenos. Mas uma pessoa me impressionou de forma particular. Um cara em quem votei algumas vezes. Defendeu-se com um discurso raivoso e impositivo, deixando transparecer nas entrelinhas a pertinência de algumas colocações. Mesmo de frente para o auditório praticamente vazio, não ousou me olhar nos olhos. E isso poderia ser pouco significativo, não fosse o fato de o conhecer desde antes de sua primeira candidatura. Uma época em que, volta e meia, tomávamos a mesma carona, ao meio-dia, assim que eu saía da escola, no ginásio. Certamente leu a carta que assinamos (eu e minha irmã Elisa), pensei. Ele também não teria coragem de olhar nos olhos dela.

Depois disso, é difícil dizer quem sai mais prejudicado. Se alguns dali optaram pelo fisiologismo, pelo caminho mais cômodo, se sentiram ser mais importantes seus interesses pessoais do que os interesses pelos quais lutavam há vinte anos,... eles mesmos devem sentir o peso de tal decisão. É certo que para encarar qualquer pessoa, olhar em seus olhos e transpor a barreira do silêncio ao ouvir críticas relevantes e fundamentadas é preciso muito mais que peito. Isso, o dinheiro não compra.

“Eu bato o portão sem fazer alarde
Eu levo a carteira de identidade
Uma saideira, muita saudade
E a leve impressão de que já vou tarde....”
(Francis Hime/Chico Buarque, 1978)

5 Comments:

Blogger Suzana Gutierrez said...

Helena! Vem em boa hora esta tua reflexão. Na hora mesma que todo o sul está como tu, olhando a porta de saída.
abraço,

Suzana

4/03/2005 10:03 PM  
Anonymous Anônimo said...

Não acho que exista realmente uma porta de saída. O que existe é apenas vontade. Mas... vontade de fazer o que? Pelo o que entendi o problema é esse. Não sou petista mas muitas das vontades do PT me agradavam, hj simplesmente não agradam tanto.
Algumas vezes nos temos nossas vontades reprimidas pelas impossibilidades, se cedemos ou relutamos não importa, o que importa é que em tempos de impossibilidades as nossas vontades continuem vivas. Nestes tempos um auditório vazio e determinado pode ter mais poder, que um estádio cheio de pouco interesse.
Sei que vc sabe o que quer, ser petista ou tucana não importa se vc lutar pelo que quer

4/04/2005 2:01 AM  
Anonymous Anônimo said...

Muito bom mesmo o texto. Eu te digo, que ando confusa, não joguei totalmente a toalha. Talvez pelo fato de ter sido sempre uma simpatizante, não uma petista filiada, que suou a camiseta para construir o partido. Essa história de não necessitarmos empréstimo do FMI, ainda que possa ser muito cedo para jogar confete (olho com a "recaída"), foi um passo muito importante para a vida nacional. Ainda não abandonei o navio. Há constrangimentos internacionais que ajudam a contextualizar essa guinada à direita do Governo, assim como há o constrangimento nacional de não constituirmos uma base partidária sólida entre os nossos e os aliados, que impeliu, de uma certa forma, essa política de aliança entre Governo e PMDB (sic). FHC fez o que fez, pq não teve oposição; essa era minoria (reconheço que muita coisa deixou de ser feita por pressão do PT na época). O Lula não tem essa maioria no Congresso e fica a sensação de que a governabilidade só se dá, mediante uma política de distribuição de cargos ao bom e velho estilo Sarney - mesmo tendo consciência de que os 60% dos votos deu a legitimidade para o Lula fazer o governo da "mudança" - primeira palavra do seu discurso presidencial e da qual não me esqueço. Às vezes, tenho a sensação de que há coisas que não podem ser ditas, são veladas, tal como adultos querendo esconder a verdade das crianças. Por exemplo, quando me deparo com a política econômica: por que seguir por este caminho? Ou então, por que as políticas sociais não deslancham? Por que esperar tanto? Morando em Porto Alegre, onde o PT foi o real partido da mudança, onde Olívio Governador fez a diferença no RS, aumenta mais ainda a angústia pelas transformações sociais que não saem do papel. Assim, vou acompanhando e observando, sentindo a tristeza e a angústia tal qual alguém que acompanha seu ente querido agonizante num leito hospitalar: será que se salva, ou será que irá morrer?

4/04/2005 3:55 AM  
Anonymous Anônimo said...

Eu acredito no indivíduo!

Não haveria de existir Agremiação, Partido, Clube, Classe, Assentamento, Tribo, Conjunto, Igreja, País sobrepujando o Indivíduo pois este é a constituição básica, agindo como causa e não como efeito.

As idéias devem ser livres!

A palavra mata a idéia, esquadrinha, limita, distorce.
A ação, não! Idéia e ação estão intimamente ligadas; A primeira é ígnia, a segunda incendeia, movimenta, demonstra; é a continuação natural da primeira.
Que nossas percepções caiam sobre o indivíduo deixando de focar o grupo e veremos o quanto são ricas e infindáveis as possibilidades e felizes seremos no dia em que não mais precisaremos dizer "Tive uma idéia!!" porque esta será uma constante.


"Ninguém, ninguém vai me acorrentar
Enquanto eu puder cantar
Enquanto eu puder sorrir
Alguém vai ter que me ouvir
Enquanto eu puder seguir
Enquanto eu puder sentir
Enquanto eu puder chorar
Enquanto eu puder pensar
Enquanto eu puder..."

Parafraseando (Chico Buarque - Cordão)

4/04/2005 10:39 AM  
Blogger Mythus said...

Também não me considero um petista, acho que nunca fui, talvez centro-esquerda. Acho que o papel do PT na oposição sempre foi muito positivo, não há dúvidas que sua pressão exagerada (e necessária) provocou muitas mudanças no país. Agora com a inversão de papéis, já não pode cumprir as mesmas exigências. Óbvio, antes se pedia 1000 pra ganhar 5, hoje não pode dar os 1000 que pedia (fazia parte da pressão exagerada e necessária).

Sobre o PT de hoje, não sei o que comentar, o fato é que nunca fui radical, mas também nunca vi Lula, por mais habilidoso ou o PT por mais renovador, como Messias do país. Talvez a expectativa tenha frustrado muita gente.

4/06/2005 4:47 PM  

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