sexta-feira, abril 15, 2005

Camaleões políticos

Creio que seja possível dizer que o sistema político brasileiro não é dos mais estáveis. É fácil encontrar, em nossa história, fatos e ações que, de repente, tiram tudo do lugar, mudam significativamente as regras do jogo. Só pra exemplificar, poderíamos citar algumas datas importantes dos últimos cem anos: 1930, 1937, 1945, 1964, 1985, 1988, 1992, 2002.

O fato é que, aparentemente, partidos políticos se multiplicam ou se extingüem na república brasileira por interesses mais individualistas ou corporativistas e menos ideológicos. Com algumas exceções, é claro. Ou alguma exceção, não sei.

Grupos de atores políticos se identificam e se desentendem, alguns partidos se fundem, algumas siglas mudam, mais ou menos como lepra passa a ser conhecida como hanseníase. E... assim, num mundo que gira provavelmente cem vezes mais rápido do que há cinqüenta anos, fica difícil saber o que mudou só de cara e o que aparentemente continua o mesmo, com conteúdo completamente diferente.

Estava lendo uma análise de Figueiredo e Limongi* sobre como se poderia classificar os partidos no cenário político nacional, após a redemocratização, num continuum direita-esquerda. Pode parecer um pouco acadêmico demais, mas creio ser bastante importante - para dizer o mínimo - recorrer a pessoas que dedicam grande parte das suas vidas à pesquisa desse meio que, muitas vezes, parece-nos tão asqueroso e desnecessário. Os autores tomaram como objeto de pesquisa as votações nominais dos deputados na Câmara Federal, de 1989 (um ano depois da Constituição) até 1994. E... verificando 221 votações que consideraram relevantes na Câmara dos Deputados, Limongi e Figueiredo identificaram encaminhamentos similares, bancadas que votavam da mesma forma no plenário, classificando os principais partidos num continuum, que, da direita para a esquerda, ficou assim: PDS (originado pela maioria dos partidários da ARENA, passou a ser PPR e, depois, PPB), PFL, PTB, PMDB, PSDB, PDT e PT. Impressionou-me bastante essa informação. Percebi que, no período estudado - que inclui o ano de disputa eleitoral entre FHC e Lula -, o PMDB votou junto com o PT (ou seja, PMDB e PT votaram da mesma forma) em 34,4% das votações. No entanto, a maioria da bancada do PSDB votou junto com a maioria do PT em 56,6% das mesmas votações. Significativa diferença, não?! Isso quer dizer, pragmaticamente, que, mesmo sendo PMDB e PSDB partidos de centro, os tucanos estariam mais à esquerda que os pemedebistas.

Mas Lula disputou com FHC. Em 1994 e em 1998. Disputou com Serra em 2002. Árduamente. Agora busca fervorosamente o apoio do PMDB.

Não. Não quero dizer que uma aliança com o PSDB seria mais coerente. De forma alguma. Só queria entender como uma aliança com o PMDB pode ser possível. Além disso, outras coisas ficam incompreensíveis a partir dessa análise. Como pôde o PTB apoiar a candidatura de Lula em 2002 e ser considerado hoje base do governo petista com uma votação 89,1% identificada com a maioria pefelista de 1989 a 1994?! As concessões são necessárias para se ganhar o poder, é verdade. Mas a que preço?!

Ontem, a Eliane Catanhêde, na Folha, falou sobre como o PMDB deu uma "rasteira" na ministra Dilma Roussef, recusando o nome de um engenheiro químico para a diretoria-geral da Agência Nacional de Petróleo. o engenheiro é um técnico muito elogiado, mas o PMDB "acusa" a ministra de dar de ombros para os seus aliados nas nomeações e nas distribuições de verbas. "Há ainda aquele probleminha: Lula não pode demitir Jucá, porque o PMDB impede; mas Lula não pode manter Jucá, porque seria indecente. Ele é alvo de uma avalanche de denúncias, sem resposta. Os estrategistas de Lula calcaram a reeleição de 2006 na venda de ações de PL, PTB, PP e que tais e em investimentos maciços no PMDB. (...)" (Folha de S. Paulo, 14/04/05). Não que eu confie muito nessa jornalista, mas que há alguma verdade nesse discurso, há.

Sinceramente, penso em votar novamente em Lula em 2006. No entanto,... sei que essa opção não me será válida se tal aliança se concretizar. Nesse caso, é ilusão querer agradar a gregos e troianos. Não é à toa que se vislumbra cada vez mais a possibilidade de anulação do voto.

* Argelina Cheibub Figueiredo e Fernando Limongi, Executivo e Legislativo na nova ordem constitucional.

3 Comments:

Blogger Mythus said...

Acho que só fui esquerda radical na minha adolescência, depois disso fui contaminado pelo capitalismo selvagem. Ainda assim, minha mudança de ideologia foi definida por uma manutenção do meu status quo umbiliguista - o que é uma regalia de quem não está em posição de liderança ou de quem não está administrando bens públicos.

Tudo bem, até consinto numa mudança de ideologia por parte de deputados e senadores no exercício de suas funções, de forma individual. É triste ver todo um partido (que deveria ser "uma ideologia", assim, quem mudar de pensamento, mudaria de partido) estar, paulatinamente, cedendo às pressões por pura manutenção do poder.

Daí surge a pergunta: estaria de fato mantendo o poder ou apenas mantendo o cargo? Não estaria cedendo, também, uma parcela do poder?

Infelizmente, partido não tem mais o sentido de ser "conjunto de pessoas que seguem as mesmas ideias, especialmente em política" é mais forte o sentido de agremiação.

Coincidentemente, falei algo aqui em casa que bate exatamente com o que Elisa citou de FHC, disse: "As coisas não andam muito boas, mas sinceramente, não acredito que as coisas seriam tão diferentes se Lula tivesse perdido. Talvez o PT continuasse como Partido dos Trabalhadores ao invés de se tornar Partido dos Tributadores" (quisera eu tivessem mais tributaristas entre eles, poderiam corrigir esta sede).

Excelente post.
Curiosidade: Formada em que?

4/16/2005 10:40 PM  
Blogger Golb said...

Helena, muito obrigado pela visita.
Vc pode saber mais sobre o "movimento" lendo o post "O msn disse que a reuters contou, repasso pro golb" e os respectivos comentários.
Mas, resumindo, fiquei contente em descobrir que tem mais gente boa uivando por aí... :)

4/17/2005 11:23 PM  
Blogger Helena Máximo said...

Mythus, minha graduação é em jornalismo. Estou, agora, conhecendo a área da Ciência Política. É uma mistura que, comumemente, faz muito estrago por aí, mas, quem sabe, seja possível fazer algo diferente. ;)

4/18/2005 8:33 AM  

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