terça-feira, fevereiro 21, 2006

Salários: incongruências eternas?

Tem coisas que realmente não dá pra entender.

Uma criatura, formada em medicina, sem residência ainda, decide se afastar quilômetros de sua cidade natal e vai tentar a vida mais pro sul. Não demora nada e recebe uma proposta de trabalho: ganhar 2 mil e pouco para trabalhar em um balneário. O recém formado recusa, pois acha o salário muito baixo. Completamente virado pra lua, aparece-lhe outra oportunidade, numa cidade pequena, de receber 3 mil e pouco para trabalhar 12 horas. A tal criatura continua achando que a remuneração poderia ser melhor, mas aceita.

Condenável? Não. São anos de investimento e suposto estudo, certo?!

Até o final da semana passada, estavam abertas as inscrições para o teste seletivo para professor substituto em várias disciplinas da Universidade Federal do Paraná (de onde me orgulho de ter saído como "bacharel em Comunicação Social - habilitação Jornalismo). Havia, inclusive, uma vaga no Departamento de Comunicação. A remuneração, para 20 ou para 40 horas, você pode ver aqui. Meus botões me olharam com cara de desolação.

No meu último ano de faculdade, cursei a disciplina de Ética e Legislação em Jornalismo com uma professora substituta. Ficava indignada com a falta de preparo da moça. Achava absurdo como aquela cadeira estava sendo dada. Minha revolta não poderia ser menor: escolhi como tema principal de minha monografia a Lei de Imprensa de 1967.
Hoje, vejo que seria impossível para o departamento garantir a qualidade que desejaria de seu corpo docente. Bons professores precisam ser bem pagos. Se, pelo menos, o governo garantisse à universidade a contratação de professores efetivos através de concurso, os chefes e coordenadores de departamentos não precisariam torcer para que boas almas tenham a idéia de prestar serviço voluntário para a manutenção da qualidade da universidade pública.

segunda-feira, fevereiro 13, 2006

O jornalismo marrom bate com a cara na porta da embaixada

Nem conhecia o Sr. Julio García Montoya, mas gostei dele logo "de cara". O fato é que, quando alguém sente aquele asco indescritível ao se deparar com um determinado tipo de jornalismo marrom e hipócrita, não tem como não surgir uma certa identificação. E... se você quer entender melhor do que eu estou falando (ou se quer saber se sente esse mesmo asco), leia esse texto delicadamente subliminar da Revista Veja.

Não é por menos que reproduzo aqui, na íntegra, o texto do embaixador da Venezuela no Brasil. Eu assinaria embaixo. É uma pena que as grandes empresas de comunicação brasileiras não façam o mínimo esforço para publicar uma notícia dessa. Seria um grande avanço no debate sobre o jornalismo no Brasil. Enfim... nem tudo está perdido. Ficamos com o empenho dos jornalistas do Comunique-se, da Novae, do Observatório Social...

Brasília, 06 de fevereiro de 2006
Sr. Roberto Civita
Editor
Revista VEJA
Senhor Civita, permita-me iniciar esta carta com o reconhecimento à tenacidade com que seus colunistas se dedicam à tarefa de impor a verdade da mídia. Nisto, tenho certeza, seriam a inveja do mesmo Joseph Goebbels. Não obstante, permita-me também lhe aconselhar que diminua o esforço para o bem da saúde mental de seus escreventes, uma vez que o mundo que lê VEJA está convencido de sua ária pureza jornalística, de que vocês, dentro do mais tradicional esquema de jornalismo conservador –tanto na técnica como no conteúdo- se sentem donos da verdade. Já sabemos, senhor Civita, que dentro de VEJA transita o dogma e a fortaleza própria do invulnerável, que qualquer coisa que esteja fora de sua linha ou do seu âmbito ideológico é errada, que vocês estão convencidos -e são capazes de morrer por isso- de que nada diferente do que escrevem pode existir fora de suas linhas.
É óbvio, senhor Civita, que VEJA é mais que uma simples revista. VEJA é um templo sem sacerdotes, ali só há deuses, pois somente os deuses geram verdades inquestionáveis. Esta condição divina é notória, por exemplo, nas fotografias que acompanham as colunas. Veja o senhor, repare bem, na postura esnobe de Tales Alvarenga, ou no olhar onipotente de Diogo Mainardi. Coitado de quem entrar no âmbito de sua ira! Será condenado para sempre ao inferno!

Ou não é verdade que somente eles conhecem aquilo que adoece o mundo e são capazes de condená-lo?
É, senhor Civita, também sabemos. Sabemos que a Veja condena sem julgar, porque a verdade da mídia não requer trâmites desta índole, nem está aí para isso, não é? Digo, para julgar, porque o jornalismo – segundo ensina a filosofia da comunicação e todos os códigos da ética- não está projetado para ser juiz, senão para se dedicar à tarefa de mostrar os diversos ângulos da realidade que é apresentada ao mundo e deixar que sejam outros os que julguem.
Mesmo assim, devo confessar-lhe que também não acredito muito nisto e que estou mais próximo de admirar um jornalismo menos frio e objetivo, a um jornalismo que não transforme os fatos humanos em simples coisas de tipografia, tinta e papel. Devo confessar-lhe que, igualmente a no meu país, prefiro um jornalismo mais combativo, distante dessa ficção que denominam “objetividade jornalística” e próximo àquela pro atividade ética que já indicava John Dos Passos na sua novela Paralelo 42 – que acredito que o senhor tenha lido alguma vez -: “o anelo de todo jornalista era desentranhar o significado exato de toda mudança operada na realidade”.
Vê, senhor Civita, Dos Passos escreve “o significado exato”, nós nos perguntamos de imediato de que se trata isso? E ficaríamos órfãos de entendimento a respeito se não tivéssemos a capacidade de relacioná-lo com essa maravilhosa palavra que é “desentranhar”, que significa, dentre outras cosas, averiguar, penetrar o mais difícil e escondido de uma matéria.
Cobra uma melhor e mais digna dimensão profissional e ética com isto a tarefa jornalística, não é assim, senhor Civita? Veja, o jornalista é uma pessoa que se submerge na realidade dos fatos, esquadrinha as suas entranhas, examina os detalhes, se desliza com sigilo entre as aristas, observa atento seus diversos ângulos e os traz todos até a superfície, para dar a oportunidade de que qualquer um que passe perto de suas bordas possa senti-las e armá-las como uma realidade mais ou menos objetiva, mas principalmente humana.
E eis aqui um dos significados da palavra “desentranhar” de que mais gosto, aquele que a apresenta como um ato voluntário de desapropriação. Nada mais humano do que desapropriar-se de tudo que se tem e se conhece para entregar ao outro com a vontade ética, social e humana que possa ajudá-lo a compreender.
Lástima, senhor Civita, mas não vejo isto no olhar dos seus colunistas, pelo menos nesse que mostram as fotografias que acompanham suas colunas.
O que é bem certo é que VEJA também não crê nem pratica o contra-sentido da objetividade jornalística. O terrível é que também não responde a isto com sentido ético, porque para VEJA o mundo adoece de um mal universal: tudo o que é sensivelmente humano fede.
É por isso que entendemos esse afã por listar nomes que, repito, desde sua ária pureza jornalística, são indesejáveis, imprescindíveis, tolos, tiranos e vagabundos que devem ser exterminados para o bem do mundo que VEJA representa, um mundo uníssono, que avança na direção de um cenário globalizado de conseqüências únicas, perfeitas e sem objeção, onde uma nova religião começa a concretizar-se com rezas e acordos de compra e venda. É por isso que para vocês nosso presidente Hugo Chávez leva uma lista longa de qualificativos indesejáveis, como tirano, ditador, assassino, populista, palhaço, louco, etc, e Bush, George W. Bush, o mesmo da guerra no Iraque, é apenas um homem preocupado pela harmonia e a paz do mundo.
Pois bem, senhor Civita, nesta nova carta que agora lhe envio – e que sei que não será publicada na Veja -, além de expressar-lhe os sentimentos acima descritos quero também aproveitar para fechar com duas coisas importantes.
A primeira é a formulação de uma queixa oficial contra sua empregada Daniela Pinheiro, quem entre a grande quantidade de mentiras que escreve no seu artigo “Com dinheiro do povo”, edição N° 1941 de 01 de fevereiro de 2006, assegura que “o embaixador da Venezuela admitiu na semana passada que é possível que Chávez assista ao desfile da Marquês de Sapucaí”, quando na realidade o que foi dito foi que era pouco provável que o presidente assistisse –mas é claro, tudo vale quando se trata de jornalistas que não se apegam à objetividade, mas sim à interpretação jornalística pouco desapropriada de interesses… serão econômicos ou ideológicos? - pode o senhor sanar esta dúvida, senhor Civita?
A segunda é uma simples recomendação, e a inicio com uma pergunta: ouviu o senhor alguma vez Alfredo Bryce Echenique quando se refere à posição humana do homem diante da vida e da realidade? Repare, ele disse a respeito, que “na vida, a única objetividade possível é a subjetividade bem intencionada”. Nós cremos no mesmo do jornalismo, cremos que este é o sentido exato que deve praticar-se nesta profissão frente a esse contra-sentido da objetividade a secas. Por quê? Simples. Porque o jornalismo não é um templo de deuses, mas uma praça de vizinhança.
Julio García Montoya
Embaixador

terça-feira, fevereiro 07, 2006

Pense no Haiti, reze pelo Brasil. (com sua licença, Caetano...)

Impressionantes as imagens das eleições no Haiti.

O país que ocupa um terço da ilha São Domingos (ou Hispaniola), na América Central, fazendo fronteira com a República Dominicana, fica muito próximo das Bahamas. Contradições da vida.

As eleições presidenciais e legislativas chegaram com 10 mil soldados e policiais pratulhando o país. Os 3,5 milhões de eleitores tinham apenas 840 postos de votação para exercer um direito democrático que lhes é facultativo, mas a movimentação de haitianos nas urnas superaria qualquer fila do INSS no Brasil.

Em cerca de 50 anos, o Haiti teve somente três eleições consideradas livres (1990, 1995 e 2000), mas elas foram intercaladas com golpes militares e revoltas civis. A última rebelião, em fevereiro de 2004, derrubou o presidente Jean-Bertrand Aristide, que ficou exilado na África do Sul. Os eleitores, então, depois de 4 adiamentos do pleito, saíram hoje de casa aos montes, desafiando possíveis atentados, a violência que assola o país, mostrando um nítido apreço pelo direito de escolher seus governantes.

Com todo o tumulto desta terça-feira, pelo menos três pessoas morreram. "Um policial foi linchado até a morte depois que matou a tiros uma pessoa durante uma confusão na entrada de um centro de votação". (Estadão, 07/02/06, 22h52min)

Mas será que os resultados de uma eleição como essa podem ser confiáveis? O chefe da Minustah (a missão da ONU no Haiti), Juan Gabriel Valdes, disse estar confiante de que desta vez as logísticas da eleição existem e de que essas serão as primeiras eleições em que será possível confiar completamente nos resultados (informações da BBC Brasil).

Não importa agora. O que mais me assombra é a vontade que esses haitianos carregavam no rosto. É o valor que evidentemente deram ao seu voto. Tenho escutado, cada vez mais, a indignação de brasileiros que pregam o voto facultativo. Não lhes tiro a razão. Num país como o nosso, onde se difunde progressivamente a escolha pelo menos pior, a adoção do voto facultativo poderia, pelo menos, pressionar os representantes do povo no poder a intensificar seu trabalho por esse mesmo povo. Só tenho certeza de uma coisa: se "os eleitores" de nossa república de bananas pudéssemos deliberar realmente se os políticos brasileiros merecem ou não nosso voto em 2006, acho que seria bastante difícil ver pessoas perambularem pelas ruas desse país no próximo domingo de eleições.