quarta-feira, abril 27, 2005

Perua quarentona

A maior rede de televisão brasileira completou 40 anos de existência. É um mérito, certamente.

O que impressiona é a pompa das comemorações da empresa. Grandes produções especiais, reportagens ultra trabalhadas, uma profusão de destacados artistas, alta publicidade... jogo comemorativo da seleção brasileira de futebol com a Guatemala - com dia para treino e tudo. A grana rolou solta. Até parece que estão podendo.

Nada contra. Afinal, não se pode negar a importância e a penetração da emissora. Confesso desconhecer a situação de outras grandes emissoras pelo mundo, mas tenho certeza de que será difícil encontrar uma realidade minimamente parecida com a brasileira, onde um gaúcho e um pernambucano podem se desentender por diversos motivos, mas provavelmente estabeleceriam um vínculo se comentassem o que aconteceu na novela das 8 ou no Jornal Nacional.

O que me incomoda é o fato de datas desse tipo não serem mais bem aproveitadas. Não seria o momento de olhar para trás e repensar tudo o que se fez? Bom... geralmente fazemos isso quando vemos o tempo passando na nossa frente. 20 anos... 30 anos... tudo bem... ainda não cheguei lá, mas sei que, não demora muito, as coisas vão correr mais ou menos desse jeito.

Então... 40 anos... o que fizemos de bom e de ruim?! Hum... vejamos... iniciamos em plena ditadura militar. Período difícil. Ainda bem que conseguimos capital e know-how do grupo Time-Life. Isso nos fez dominar o mercado audiovisual no país em pouquíssimo tempo. Quem sabe, apesar de todo o teor escuso da relação, teríamos feito isso novamente. Os anos de ditadura?! Esses foram certamente complicados, afinal, nunca é fácil lidar com essa combinação de censura com intenso poder de polícia. Lançamos o Jornal Nacional em 1969 - ano da promulgação do AI-5. Apesar disso, montamos escritórios em pontos estratégicos do mundo e edificamos uma estrutura invejável em televisão. Provas de pioneirismo. Mas... então... vejamos... como lidamos com o final da ditadura? Em 25 de janeiro de 1984, foi realizado um comício na Praça da Sé, em São Paulo, com uma quantidade enorme de pessoas que pediam pela aprovação da emenda que restabelecia as eleições diretas para presidente da república. Pois é... naquela ocasião, insistíamos em divulgar as imagens como se fossem de um show em comemoração ao aniversário da Cidade da Garoa. Nunca nos retratamos sobre isso. Será que não seria o momento de fazê-lo? Em 1989, cobrimos com extrema parcialidade as eleições presidenciais. Muitos estudos se construíram em cima das vantagens midiáticas de Collor em relação a Lula. Não divulgamos nada sobre isso e nunca demos espaço para que a Globo repensasse a própria Globo. Ou... melhor... nunca usamos a comunicação para discutir a comunicação. Falamos tanto em democracia... Hoje, mesmo, veiculamos uma grande matéria que toca nesse assunto. Alexandre Garcia, no Bom Dia Brasil, disse que "o país passou da repressão para a liberdade"... "tem pela frente o desafio de amadurecer". Será que não temos nenhum papel nisso? Criticamos, com razão, muitas coisas sobre o Congresso, sobre o Governo Federal, sobre a falta de ética... por que não temos peito de criticar os erros da imprensa e, principalmente, nossos próprios erros? Só temos pompa e circunstância para tirar lágrimas do público ao mostrar nosso trabalho impecável. E ele nunca foi tão impecável assim.

Esse poderia ser um princípio. Só uma semente. Reflexão que não tiraria pedaço de ninguém. Pelo contrário. Acho que os ganhos superariam significativamente as perdas. Bom... quem sabe a tripulação global só lute por credibilidade e democratização da boca pra fora...

segunda-feira, abril 18, 2005

Bem vinda, maninha!!!

Finalmente, nossa querida “contributor” – amada esposa para um e adorada irmã para outra – voltou das terras antes tão frias do Canadá. É certo que, às vezes, parece que a distância nos aproximou ainda mais, já que foram pouquíssimos os dias – nesses seis meses – que não passamos pelo menos uma hora conversando sobre coisas prosaicas, sobre nosso cotidiano, através das vantagens da net. Isso explica o tempo curto que ela precisou para contar as novidades, que foram, basicamente, seus percalços para pegar o avião de volta.

Ela voltou para a Ilha da Magia com esse seu jeito tremendamente encantador, super peculiar. Que bom! Conversar a milhões de quilômetros de distância não é a mesma coisa.

sexta-feira, abril 15, 2005

Camaleões políticos

Creio que seja possível dizer que o sistema político brasileiro não é dos mais estáveis. É fácil encontrar, em nossa história, fatos e ações que, de repente, tiram tudo do lugar, mudam significativamente as regras do jogo. Só pra exemplificar, poderíamos citar algumas datas importantes dos últimos cem anos: 1930, 1937, 1945, 1964, 1985, 1988, 1992, 2002.

O fato é que, aparentemente, partidos políticos se multiplicam ou se extingüem na república brasileira por interesses mais individualistas ou corporativistas e menos ideológicos. Com algumas exceções, é claro. Ou alguma exceção, não sei.

Grupos de atores políticos se identificam e se desentendem, alguns partidos se fundem, algumas siglas mudam, mais ou menos como lepra passa a ser conhecida como hanseníase. E... assim, num mundo que gira provavelmente cem vezes mais rápido do que há cinqüenta anos, fica difícil saber o que mudou só de cara e o que aparentemente continua o mesmo, com conteúdo completamente diferente.

Estava lendo uma análise de Figueiredo e Limongi* sobre como se poderia classificar os partidos no cenário político nacional, após a redemocratização, num continuum direita-esquerda. Pode parecer um pouco acadêmico demais, mas creio ser bastante importante - para dizer o mínimo - recorrer a pessoas que dedicam grande parte das suas vidas à pesquisa desse meio que, muitas vezes, parece-nos tão asqueroso e desnecessário. Os autores tomaram como objeto de pesquisa as votações nominais dos deputados na Câmara Federal, de 1989 (um ano depois da Constituição) até 1994. E... verificando 221 votações que consideraram relevantes na Câmara dos Deputados, Limongi e Figueiredo identificaram encaminhamentos similares, bancadas que votavam da mesma forma no plenário, classificando os principais partidos num continuum, que, da direita para a esquerda, ficou assim: PDS (originado pela maioria dos partidários da ARENA, passou a ser PPR e, depois, PPB), PFL, PTB, PMDB, PSDB, PDT e PT. Impressionou-me bastante essa informação. Percebi que, no período estudado - que inclui o ano de disputa eleitoral entre FHC e Lula -, o PMDB votou junto com o PT (ou seja, PMDB e PT votaram da mesma forma) em 34,4% das votações. No entanto, a maioria da bancada do PSDB votou junto com a maioria do PT em 56,6% das mesmas votações. Significativa diferença, não?! Isso quer dizer, pragmaticamente, que, mesmo sendo PMDB e PSDB partidos de centro, os tucanos estariam mais à esquerda que os pemedebistas.

Mas Lula disputou com FHC. Em 1994 e em 1998. Disputou com Serra em 2002. Árduamente. Agora busca fervorosamente o apoio do PMDB.

Não. Não quero dizer que uma aliança com o PSDB seria mais coerente. De forma alguma. Só queria entender como uma aliança com o PMDB pode ser possível. Além disso, outras coisas ficam incompreensíveis a partir dessa análise. Como pôde o PTB apoiar a candidatura de Lula em 2002 e ser considerado hoje base do governo petista com uma votação 89,1% identificada com a maioria pefelista de 1989 a 1994?! As concessões são necessárias para se ganhar o poder, é verdade. Mas a que preço?!

Ontem, a Eliane Catanhêde, na Folha, falou sobre como o PMDB deu uma "rasteira" na ministra Dilma Roussef, recusando o nome de um engenheiro químico para a diretoria-geral da Agência Nacional de Petróleo. o engenheiro é um técnico muito elogiado, mas o PMDB "acusa" a ministra de dar de ombros para os seus aliados nas nomeações e nas distribuições de verbas. "Há ainda aquele probleminha: Lula não pode demitir Jucá, porque o PMDB impede; mas Lula não pode manter Jucá, porque seria indecente. Ele é alvo de uma avalanche de denúncias, sem resposta. Os estrategistas de Lula calcaram a reeleição de 2006 na venda de ações de PL, PTB, PP e que tais e em investimentos maciços no PMDB. (...)" (Folha de S. Paulo, 14/04/05). Não que eu confie muito nessa jornalista, mas que há alguma verdade nesse discurso, há.

Sinceramente, penso em votar novamente em Lula em 2006. No entanto,... sei que essa opção não me será válida se tal aliança se concretizar. Nesse caso, é ilusão querer agradar a gregos e troianos. Não é à toa que se vislumbra cada vez mais a possibilidade de anulação do voto.

* Argelina Cheibub Figueiredo e Fernando Limongi, Executivo e Legislativo na nova ordem constitucional.

segunda-feira, abril 11, 2005

Uma parada para um desabafo...

Quem vive na frente de um computador e consegue entender todas as minúcias de seu PC deve ser realmente muito feliz. Eu não as entendo e confesso que sofro muito por isso. Acho que sofro mais porque, algumas vezes, faço um esforço fenomenal para compreendê-las. Quem sabe, se eu ficasse no meu cantinho e sempre que precisasse instalar um software ou periférico novo chamasse um especialista... Sei lá o que aconteceria.

Pior é quando você resolve dar um jeitinho naquela briga entre impressora e scanner - de um PC que não é seu de verdade, a não ser por uso capião - que não conseguem trabalhar juntos, dividindo a mesma porta paralela. Ontem, mexi tanto no bichinho que o levei à loucura completa. O coitado reinicializava ininterruptamente. O sistema caía assim que o ruindows entrava em cena. É pra aprender a não meter o dedo onde não se é chamado. A partir daí, começa-se a apelar, tentando resolver o problema antes do computador abrir o sistema operacional bill gatesiano. Afinal, as coisas não podem ficar piores do que estão - Deus queira que o maldito não entre em curto circuito. Também, quem disse que você conseguiria por em prática os conselhos da rede?!

Ainda bem que, às vezes, você está com uma sorte do cão e o seu amiguinho luminoso volta a falar com você por pura boa vontade. A impressora e o scanner continuam em pé de guerra, mas, pelo menos, tem-se memória e conexões de rede intactas. Nesses momentos a gente descobre que não se precisa mais que isso.

domingo, abril 03, 2005

"O PT que queremos"

Como alguns já sabem, os que uivam por aqui são – ou, pelo menos, começaram – petistas. As razões são muitas e mereceriam um bom texto, mas também podem ser percebidas nas linhas e entrelinhas de todos os nossos protestos. O fato é que, de algum tempo pra cá, temos refletido bastante sobre essa, antes tão clara, identificação política. Poderia-se perceber que esse espaço que construímos também é resultado desse processo e, por isso, gostaria de relatar uma experiência.

No meio dessa semana, esbarrei com um convite para um seminário organizado pelo grupo que comanda o PT de minha cidade. A proposta de tema? “O PT que queremos”. Pareceu-me justo comparecer. Pensei: “se estou olhando tanto para a porta de saída, será que não é importante verificar mais uma vez o que se encontra dentro da casa?!” Foi o que fiz. Saí cedo na manhã de ontem para ouvir os companheiros.

Abriram-se os trabalhos com o anúncio de que seriam feitas duas provocações antes de debatermos o tema.

O primeiro provocador, entre os dois escolhidos pela presidente do diretório municipal, preparou-se para falar um pouco sobre a “origem do partido”. Citou inúmeras siglas, de organizações políticas e de movimentos sociais, que tiveram algum lugar na história do Brasil durante todo o século XX. Grupos religiosos, socialistas, jovens, anarquistas, comunistas, conservadores... personagens um pouco desconexos dos fatos históricos e políticos que provavelmente inspiraram o surgimento de cada um deles. A ditadura militar também teve seu lugar na exposição, de relance. A palestra prolongada se encaminhou para sua conclusão quando se mencionou os nomes de quem fundou o Partido dos Trabalhadores, com ênfase na sua não-identificação com os partidos socialistas europeus. “O PT surge muito menos com base nas teorias de Marx e Lênin do que como resultado dos movimentos sociais, de uma prática bastante diferente”. O PT não seria socialista, não teria quadros socialistas e – achou-se importante dizer – nunca teria mencionado a palavra socialista em seu primeiro estatuto. “Será que queremos um partido que siga Trotsky, Lênin e as cartilhas socialistas?”

O outro não se esqueceu de fazer uma ressalva ao iniciar seu discurso: “depois disso, não me resta muita coisa a dizer”. Mesmo assim, não deixou de mostrar a razão de estar ali. Afirmou que, neste momento, algumas tarefas se colocam pro PT. O partido não é mais o de vinte anos atrás e enfatizou que “as pessoas têm muita dificuldade em romper com os laços do passado”. Afinal, defendíamos a luta armada, a ditadura do proletariado, o partido único e o estatismo desenfreado. Ele, como militante do partido na época, deve saber do que estava falando. Comentou que o PT tinha identificações irresponsáveis por defender coisas como o salário mínimo divulgado como ideal pelo DIEESE ou a não cobrança dos inativos da previdência. “Éramos muito maniqueístas e não tínhamos a responsabilidade necessária”. Confessou-se um não socialista e disse preferir ser chamado de humanista. Creio que sua conclusão estava contida nessa frase: “temos a responsabilidade de juntar toda essa diversidade que é o PT e fazer alguns acordos, alguns contratos...”.

Terminadas as esforçadas exposições, vi-me com os olhos incrédulos e tive o ímpeto de levantar e dizer: “Essas sãos as provocações?! Bom... se ninguém tem uma verdadeira provocação pra fazer aqui, eu certamente tenho!” Contive-me. Pensei que poderia até jogar uma cadeira pelo corredor e espalhar todos os livros na estante, mas isso só atrapalharia minha própria visão da casa, já que, mais tarde, alguém trataria de por as coisas no lugar, como sempre aconteceu. Depois disso, eu voltaria a olhar para a porta de saída, como faço agora.

As inscrições tomaram lugar e consegui perceber a grande função terapêutica que elas têm. É o momento de colocar tudo pra fora. Críticas sutis são sempre seguidas taticamente por discursos amenos. Mas uma pessoa me impressionou de forma particular. Um cara em quem votei algumas vezes. Defendeu-se com um discurso raivoso e impositivo, deixando transparecer nas entrelinhas a pertinência de algumas colocações. Mesmo de frente para o auditório praticamente vazio, não ousou me olhar nos olhos. E isso poderia ser pouco significativo, não fosse o fato de o conhecer desde antes de sua primeira candidatura. Uma época em que, volta e meia, tomávamos a mesma carona, ao meio-dia, assim que eu saía da escola, no ginásio. Certamente leu a carta que assinamos (eu e minha irmã Elisa), pensei. Ele também não teria coragem de olhar nos olhos dela.

Depois disso, é difícil dizer quem sai mais prejudicado. Se alguns dali optaram pelo fisiologismo, pelo caminho mais cômodo, se sentiram ser mais importantes seus interesses pessoais do que os interesses pelos quais lutavam há vinte anos,... eles mesmos devem sentir o peso de tal decisão. É certo que para encarar qualquer pessoa, olhar em seus olhos e transpor a barreira do silêncio ao ouvir críticas relevantes e fundamentadas é preciso muito mais que peito. Isso, o dinheiro não compra.

“Eu bato o portão sem fazer alarde
Eu levo a carteira de identidade
Uma saideira, muita saudade
E a leve impressão de que já vou tarde....”
(Francis Hime/Chico Buarque, 1978)

sexta-feira, abril 01, 2005

Terri Schiavo - E finalmente ela foi...

Quero ser lembrado pelos bons momentos - e até os maus - que vivi com aqueles que amo. Quando digo isso, um filme passa na minha mente. Não quero ser lembrado pelos anos entrevado numa cama em que eu não poderei fazer aquilo que gostaria e, na melhor das hipóteses, apenas expressar com dificuldade o que sinto. Não quero ser um estorvo - apesar de ninguém admitir isso - quero ser livre, inclusive para ir...

O que dizer de Terri Schiavo? Finalmente foste, vai com Deus! Tenho certeza que estão todos melhor assim - talvez não seus pais. O que posso dizer é que não havendo a tecnologia disponível e o grande conhecimento médico, Terri já teria ido há muito tempo. O que dizer de um "sistema" - conjunto de tecnologias, sentimentos e determinações legais - crenças - - que ressucita um corpo e o mantém vivo quando sua mente já foi? Ou que nada pode fazer para possibilitar a volta à uma vida minimamente normal?

O que é viver ou morrer dignamente? Quem sabe deixemos isso para que cada um decida? Ainda que seja necessário estabelecer alguns parâmetros? Quem disse que não devemos morrer? Ou que morrer é em si algo triste? Quem sabe eu não deseje morrer para ir ao paraíso, poder voar, estar entre os meus, ainda que em espírito, partir deste corpo para outro, encontrar minhas 30 ou 40 virgens, pagar meus pecados logo de uma vez...?

Mas ela foi, finalmente. E penso que logo encontrará o Papa, que dizem nunca esteve tão sereno - talvez porque tenha absoluta convicção de chegou sua hora. E, penso que se o marido tem culpa no cartório, a vez dele ainda vai chegar.

Vai, Terri, vai. Vai com Deus, com Alá, com Javé, Buda, a Lua e com o Sol, vai com Iemanjá e com os Orixás, vai com Tupã, vai. Tenho certeza que, agora, teu corpo descansou...