É bastante difícil não ficar indignado ao saber das últimas notícias da semana: a mesa diretora da Câmara aprovou um aumento de 25% nas verbas de gabinete dos deputados federais.
Ok... existem várias razões para o aumento: inflação, juros, impostos,... no fundo, esse é um investimento na eficiência da
Câmara Baixa. Mas, então, façamos um breve levantamento do que representa para os cofres públicos a manutenção de parte de nossa torta corte.
Bom... a remuneração de um deputado federal é de
R$ 12.847,20. São 15 salários anuais, com possibilidade de vencimentos adicionais no caso de convocações extraordinárias. Soma-se a esse gasto, a cota mensal de correios e telefone, de
R$ 4.268,00. Todos os deputados têm direito de utilizar os apartamentos funcionais, localizados em Brasília, que têm entre 212 e 225 m2. Há um gasto anual com conservação de R$ 2.000,00 por apartamento - investimento feito inclusive nos apartamentos vazios. Mesmo assim, neste ano foram aprovadas as reformas de 144 apartamentos funcionais a um custo estimado de R$ 24 milhões. Os deputados que preferem não utilizar tais apartamentos têm um auxílio-moradia de
R$ 3.000,00. Nossos nobres legisladores têm direito, ainda, a 4 passagens aéreas (ida e volta) de Brasília ao seu estado de origem - os deputados eleitos pelo Distrito Federal gozam de uma passagem mensal Brasília-Rio de Janeiro -, o que caracteriza um custo médio de
R$ 9.947,00 (Folha de S. Paulo, 17/03/2005). Além disso, os parlamentares têm
R$ 15.000,00 de verbas indenizatórias à disposição, para a manutenção de escritórios regionais, e, agora,
R$ 44.187,50 como verbas de gabinete, destinadas para contratação de pessoal de confiança e outros gastos.
Fugindo um pouco dos números, existem outras vantagens: os deputados têm direito a 90 dias de férias e 30 dias de folga remunerada, além de terem aposentadoria garantida depois de cumprirem dois mandatos parlamentares. Parece-lhe pouco?
Não,... não fique abismado ainda. As regras não são tão rígidas assim. Quanto às verbas indenizatórias, por exemplo, a apresentação de simples notas fiscais já garantem o ressarcimento e os limites dos gastos podem variar um pouquinho. Se você tiver tempo para
fiscalizar os gastos do último deputado federal em quem votou, vai descobrir que R$ 15.000,00 de verbas indenizatórias é uma média, não um limite.
Para provar isso, desculpem-me os prejudicados, mas vou ter que escolher alguns cristos. O deputado Adelor Vieira (PMDB-SC), alcançou R$ 17.521,70 em gastos com verbas indenizatórias em setembro de 2004. Vou discriminar todos os seus gastos: R$ 236,00 com aluguel de imóveis para escritório e despesas concernentes a eles; R$ 377,30 com aquisição de material de expediente; R$ 8.958,75 com aquisição ou locação de software, serviços postais, assinatura de publicações, TV a cabo ou similar, acesso à internet e locação de móveis e equipamentos; R$ 201,17 com combustíveis e lubrificantes; R$ 3.293,93 com combustíveis e lubrificantes de veículos automotores; e R$ 4.454,55 para locomoção, hospedagem e alimentação. Parece razoável, não é? Tudo bem... não posso deixar de dizer que seria interessante rever a classificação de tais gastos. Onde foram aplicados os recursos para combustíveis e lubrificantes sem a especificação "de veículos automotores"? Outra coisa: esse gasto não tem a ver com as despesas de locomoção?
Levemos em consideração outros parlamentares. O deputado Inocêncio Oliveira (PMDB-PE) gastou R$ 18.350,00 com locomoção, hospedagem e alimentação em janeiro de 2005. Hum.. Fiquei com uma dúvida agora: eles não estavam de férias? Paulo Bauer (PFL-SC) teve R$ 17.632,19 de despesas com verbas indenizatórias em fevereiro deste ano. O deputado Giacobo (PL-PR) não se preocupou com contenção de gastos: gastou R$ 33.901,69 com combustíveis e lubrificantes de veículos automotores em janeiro de 2005. No total, foram R$ 34.600,16 de verbas indenizatórias neste mês de férias. O Pastor Frankembergen (PTB-RR) ultrapassou só R$ 1.839,88 do limite de R$ 15.000,00 no último mês de fevereiro. Carlito Merss (PT-SC) totalizou R$ 21.838,90 em julho do ano passado. Antonio Carlos Pannunzio (PSDB-SP) ganhou R$ 20.208,62 de verbas indenizatórias em fevereiro de 2005. No mesmo mês, Sérgio Caiado (PP-GO) gastou R$ 19.250,90, mas tem uma justificativa nobre: contabilizou R$ 9.800,00 com combustíveis e lubrificantes para aeronaves. E chega. Tem uma hora que a gente nem quer mais saber.
O fato é que não precisamos nos preocupar. Mesmo sabendo que, numa conta rápida,
12.847,20 + 4.268,00 + 3.000,00 + 9.947,00 + 15.000,00 + 44.178,50 = 89.249,70, que, multiplicados pelos
513 deputados existentes na Câmara, resultam em míseros
45.785.096,10 mensais, temos que levar em consideração que o Brasil é um país rico e que está crescendo a cada dia. Para manter nossa imagem lá fora, precisamos de uma corte bem apresentada, gordinha, com cara de saudável.
Além do mais, para que o aumento salarial e a elevação da verba para os gabinetes não causem grandes estragos nas finanças do país, o presidente da Câmara Federal, Severino Cavalcanti (PP-PE), anunciou a criação de uma secretaria ou comissão para contenção de despesas desnecessárias na Casa. Segundo ele, e, com certeza, todos os outros deputados concordam, o dinheiro público tem que ser tratado com honestidade. O segundo vice-presidente da Casa, deputado Ciro Nogueira (PP-PI), afirmou que será feito um levantamento para descobrir o que é preciso reduzir para cobrir os reajustes salariais e as obesas verbas de gabinete.
Não tente comparar tais números com o salário mínimo, com a sua remuneração mensal, com o tanto que custaria uma melhoria na escola do seu bairro ou no hospital perto da sua casa, com o custo do seu aluguel ou do combustível do seu carro, com o investimento que seria necessário para contratar mais funcionários nas agora pouquíssimas companhias estatais de serviço público, o que diminuiria o tempo de espera nas longas filas que se formam pelas grandes cidades, ou com o custo daquelas bolsas que cortaram das capengas universidades federais. Isso realmente não vem ao caso. Afinal, o que está em jogo é o bom funcionamento do Poder Legislativo, a eficiência de nossa Casa de Leis. Todos nós sabemos a importância da ação daqueles caras em Brasília. Certo?! Espera aí... ninguém disse que a Câmara Federal era uma panacéia.