Perua quarentona
A maior rede de televisão brasileira completou 40 anos de existência. É um mérito, certamente.
O que impressiona é a pompa das comemorações da empresa. Grandes produções especiais, reportagens ultra trabalhadas, uma profusão de destacados artistas, alta publicidade... jogo comemorativo da seleção brasileira de futebol com a Guatemala - com dia para treino e tudo. A grana rolou solta. Até parece que estão podendo.
Nada contra. Afinal, não se pode negar a importância e a penetração da emissora. Confesso desconhecer a situação de outras grandes emissoras pelo mundo, mas tenho certeza de que será difícil encontrar uma realidade minimamente parecida com a brasileira, onde um gaúcho e um pernambucano podem se desentender por diversos motivos, mas provavelmente estabeleceriam um vínculo se comentassem o que aconteceu na novela das 8 ou no Jornal Nacional.
O que me incomoda é o fato de datas desse tipo não serem mais bem aproveitadas. Não seria o momento de olhar para trás e repensar tudo o que se fez? Bom... geralmente fazemos isso quando vemos o tempo passando na nossa frente. 20 anos... 30 anos... tudo bem... ainda não cheguei lá, mas sei que, não demora muito, as coisas vão correr mais ou menos desse jeito.
Então... 40 anos... o que fizemos de bom e de ruim?! Hum... vejamos... iniciamos em plena ditadura militar. Período difícil. Ainda bem que conseguimos capital e know-how do grupo Time-Life. Isso nos fez dominar o mercado audiovisual no país em pouquíssimo tempo. Quem sabe, apesar de todo o teor escuso da relação, teríamos feito isso novamente. Os anos de ditadura?! Esses foram certamente complicados, afinal, nunca é fácil lidar com essa combinação de censura com intenso poder de polícia. Lançamos o Jornal Nacional em 1969 - ano da promulgação do AI-5. Apesar disso, montamos escritórios em pontos estratégicos do mundo e edificamos uma estrutura invejável em televisão. Provas de pioneirismo. Mas... então... vejamos... como lidamos com o final da ditadura? Em 25 de janeiro de 1984, foi realizado um comício na Praça da Sé, em São Paulo, com uma quantidade enorme de pessoas que pediam pela aprovação da emenda que restabelecia as eleições diretas para presidente da república. Pois é... naquela ocasião, insistíamos em divulgar as imagens como se fossem de um show em comemoração ao aniversário da Cidade da Garoa. Nunca nos retratamos sobre isso. Será que não seria o momento de fazê-lo? Em 1989, cobrimos com extrema parcialidade as eleições presidenciais. Muitos estudos se construíram em cima das vantagens midiáticas de Collor em relação a Lula. Não divulgamos nada sobre isso e nunca demos espaço para que a Globo repensasse a própria Globo. Ou... melhor... nunca usamos a comunicação para discutir a comunicação. Falamos tanto em democracia... Hoje, mesmo, veiculamos uma grande matéria que toca nesse assunto. Alexandre Garcia, no Bom Dia Brasil, disse que "o país passou da repressão para a liberdade"... "tem pela frente o desafio de amadurecer". Será que não temos nenhum papel nisso? Criticamos, com razão, muitas coisas sobre o Congresso, sobre o Governo Federal, sobre a falta de ética... por que não temos peito de criticar os erros da imprensa e, principalmente, nossos próprios erros? Só temos pompa e circunstância para tirar lágrimas do público ao mostrar nosso trabalho impecável. E ele nunca foi tão impecável assim.
Esse poderia ser um princípio. Só uma semente. Reflexão que não tiraria pedaço de ninguém. Pelo contrário. Acho que os ganhos superariam significativamente as perdas. Bom... quem sabe a tripulação global só lute por credibilidade e democratização da boca pra fora...